segunda-feira, dezembro 19, 2005
domingo, dezembro 18, 2005
Entrevistas
Entrevista na íntegra (Matéria de capa – Jornal Boletim do Kaos - julho 2009) - Entrevistador: Alexandre de Maio
1) Você escreve buscando um estilo literário, nesse campo qual seria sua principal característica literária?
Sacolinha: Busco a qualidade literária, sei que posso fazer um livro em três meses, mas depois de lançado ele vai ficar na rua por muitos anos, aí se não saiu bom, não adianta chorar mais tarde. Meus escritos tem cortes cinematográficos, passa de um momento a outro como a um flash, e muitas vezes deixa aquele gosto de quero mais.
2) Você se diz em crise e solitário, hoje com tanta atuação cultural, casado, com filho pra chegar, você tem tempo pra crise? Em que situação ela aparece?
Sacolinha: O buraco é mais embaixo. Essa crise de que falo é do Sacolinha com o próprio Sacolinha. Sinto muito medo da minha pessoa. Procuro adiar o momento de sentar em frente ao computador porque tenho medo do que possa surgir. Nunca sei o que meus dedos vão digitar, receio que em algum momento eles possam colocar pra fora todos os meus desejos, o que eu penso de verdade e as coisas que tenho vontade de fazer. Isso causaria um caos ainda maior em minha vida e ao meu redor. Na hora em que escrevo sempre escondo a verdade, não sei se isso é ser mentiroso ou covarde, sei que vivo enganando meus leitores. Depois que a arte passou a ser uma extensão de meu corpo, fiquei com mais medo da vida, das pessoas e de mim mesmo. Sinto saudades do tempo em que eu era criança e nem sabia o que era o mundo. Por outro lado sou muito corajoso em revelar isso tudo.
3) Sua filha está para nascer, isso já alterou sua literatura?
Sacolinha: Por incrível que pareça, ainda não. Assim foi com meus dois livros nas vésperas dos lançamentos. Os amigos ligavam e perguntavam: “Tá ansioso, sente o frio na barriga?”. E eu nada dessas sensações. Só mesmo depois do lançamento é que o bicho pegou. E vai ser assim com a minha filha.
4) Você é de esquerda? O que é ser de esquerda hoje?
Sacolinha: Sim, sou militante e faço parte de um grupo político, que inclusive estuda política. E nas últimas três eleições saí nas ruas pedindo voto e apresentando proposta dos meus candidatos. O que não dá é ficar só criticando, e não fazer nada pra mudar. A esquerda ainda existe, não nos partidos, mas em algumas pessoas de partidos de esquerda. São elas é quem vão melhorar a Educação e o Sistema Penitenciário, porque têm sensibilidade e atuam em movimentos sociais e culturais.
5) Qual o melhor e o pior de Suzano?
Sacolinha: Comparado a São Paulo é um município muito sossegado, ainda tem lugar pra pedestre, carro e bicicleta Tem muitas empresas, em conseqüência o cheiro de mato e de terra molhada já não existem mais. É muita poluição, no ar e no rio Tietê.
Temos um prefeito, negro, sensível à arte que nos deixa livre pra trabalhar e que destina 2% pra cultura, diferente de São Paulo que não chega nem a 1%.
6) Em qual outra área além dos livros você quer atuar?
Sacolinha: Na Educação, dentro da escola. Mas é um projeto futuro e a longo prazo.
7) Você incentiva a leitura para idosos, para molecada da periferia, qual maior dificuldade em incentivar leitura?
Sacolinha: Todas. Primeiro a falta de vontade da própria pessoa, segundo a disputa com o mundo do orkut, da TV, vídeo-game, futebol, novela e da bebida alcoólica. Tudo isso é mais “fácil e gostoso” do que ler. Mas é uma grande armadilha, porque nada dessas coisas fáceis vão dar futuro a esse não-leitor. É tudo ilusão.
8) Como você começou o livro Graduado em marginalidade?
Sacolinha: A princípio era para ser um conto. Fiz o roteiro onde tinha o que iria acontecer no início, meio e fim. Mas foi tomando grandes proporções e entrando tantos personagens que virou romance. Dos quatro livros escritos que tenho, o Graduado em Marginalidade foi o mais difícil de escrever, sofri muitos acidentes no percurso, tanto que se você pegar essa obra e apertar, sai sangue.
9) Graduado em Marginalidade e 85 Letras e um Disparo, falam da realidade, você já pensou em escrever ficção cientifica?
Sacolinha: Por enquanto ainda tenho mais três livros nesse ritmo de realidade. Mas tanto os dois lançados como os outros três que virão, são baseados na realidade, nada ali aconteceu daquela forma, é tudo fabulação.
10) Você é um cara hiperativo, sempre correndo, quando que você fica calmo e relaxa, em qual situação? Que música você ouve?
Sacolinha: Quando fico doente, de cama, e a melhora requer repouso. Só assim mesmo, é vício, não consigo ficar parado, sempre tenho coisas pra fazer.
Ouço rap, forró, baião, mpb e sou fã de Edvaldo Santana e Zé de Riba. Tô me preparando pra, nos próximos três anos, ouvir muita música clássica, tipo Carmina Burana, Mozart, Chopin e Bethoven. Porque quero beber na fonte que Tim Maia, Raul, Caetano, Chico Buarque e Luiz Gonzaga beberam. Não quero só o osso que a mídia me impõe, quero o filé também.
11) Que você faz, qual time que você torce, quem é o Ademiro Alves, além da literatura?
Sacolinha: Escrevo pouco, leio muito, gosto de mexer em cimento e bloco de vez em quando (pra nunca deixar de ser humilde), sou coordenador literário da cidade de Suzano, administro ainda um Centro Cultural, sou formado em Letras, gosto de entrar na mata e assar carne numa fogueira de gravetos, e adoro calor humano. Não torço pra nenhum time, não bebo e não fumo, sou extremamente careta. Segue um poema curto que explica quem é o Ademiro.
O mais importante
OrimedA é um sujeito muito sossegado.
Não bebe, não fuma e não cheira.
O resto ele faz.
12) O que é escrever?
Sacolinha: No meu caso é se aliviar e extravasar. Aliviar porque sei que faço algo de útil, que me salva a pele, que mostra que não estou somente fazendo peso na terra. Extravasar porque é uma válvula de escape, onde eu explodo minhas angústias. Creio que todos precisam de uma válvula de escape, a minha é a escrita.
13) Você vai virar político?
Sacolinha: Não tenho essa intenção. A figura do político está em descrédito há décadas. A população não leva mais ele a sério.
14) Qual o livro que você não recomenda?
Sacolinha: Nenhum. Pra mim não importa “o que” a pessoa está lendo, importa é que ela “está” lendo. Depois de ler alguns livros ela terá bagagem suficiente pra escolher o que é viável pra ela.
15) Abujamra , Jô Soares e Chico Pinheiro. Qual foi o entrevistador mais embaçado?
Sacolinha: O Jô. Foi embaçado porque não teve um contato legal, uma conversa. Tudo muito rápido e global. Os 17 minutos de entrevista que foi ao ar foi o único contato que tive com ele. Saí do camarim, entrei no estúdio e já fui gravando, depois da entrevista me tiraram de lá e colocaram na Van direto pra casa. Foi algo seco. Mas foi bom porque pude falar de literatura durante toda a entrevista, diferente de outros lugares que chamam a gente pra falar de violência na periferia. Eu não vou, não sou especialista. O Abujamra foi mais tranqüilo porque a gente conversou antes e depois da gravação, até ficamos amigos. E eu já conhecia o estilo do programa dele, gostei das perguntas inteligentes. Penso que ele poderia ter sido mais provocativo.
Sacolinha: Acabei de ler “Memórias de Minhas Putas Tristes” do García Marques. Tô lendo “Os Caminhos de Katmandu” do Francês René Barjavel. E depois vou ler “Os Lusíadas” do Camões.
17) Como foi Paulo Lins em Suzano?
Sacolinha: Ele veio dentro do projeto Trajetória Literária. Sua palestra foi muito boa, pena que aconteceu o que eu previa, o público centrou as perguntas mais pra questão da violência e da criminalidade do que pra literatura.
18) Você faz eventos, encontros, debates, saraus, concursos, aonde você vai parar? O que você quer atingir?
Sacolinha: Fazer da cidade de Suzano uma referência na área do Livro e Leitura.
19) Qual livro você indica?
Sacolinha: Memórias do Cárcere, São Bernardo e Vidas Secas, todos do Graciliano Ramos.
20) Fales sobre o teatro, como foi sua experiência?
Sacolinha: Meu primeiro contato foi com o conto que escrevi “Pacífico Homem Bomba” e que o ator Gil Ferreira adaptou para o teatro. Na seqüência muitos outros textos foram adaptados dessa forma por vários dramaturgos. Até que eu resolvi escrever a peça inteira com cenário e diálogo. Trata-se da peça Toque de recolher, ainda sem estréia.
21) Concurso de Literatura Erótica da Região do Alto Tietê.
Sacolinha: Surgiu através do Pavio Erótico, um sarau que desenvolvo em Suzano com a temática do erotismo e em parceria com a Secretaria de Saúde que disponibiliza preservativos e informações sobre DST/AIDS. Resolvi fazer um projeto inédito no Brasil, apresentei a proposta para a Secretária de Saúde e ela gostou. Fizemos com apoio do SUS (Sistema Único de Saúde) e lançamos cinco mil exemplares do livro “Amor Lúbrico – Textos para serem lidos na cama”. Aí distribuímos em postos de saúde, bibliotecas e congressos sobre o tema das DST. Enviamos mil exemplares para alguns países de Língua Portuguesa. Lá em Portugal um grupo me fez um convite para desenvolver esse projeto por lá. Em Guiné-Bissau pediram o projeto para viabilizar lá também. O mote é que não foi mais um concurso, os participantes tinham que versar sobre o erotismo, mas tocar no assunto da prevenção às doenças e gravidez indesejada. Foram selecionados 22 autores, entre contos e poemas. Virou tese de mestrado de três faculdades e matéria da conceituada revista “Saúde e Sociedade” da USP.
22) Um trecho de um livro seu a sua escolha)
Sacolinha: (Trecho do livro Peripécias de Minha Infância – a ser lançado no 2º semestre desse ano) “Meu caro leitor, muitas saudades sinto daquela época. Época em que as minhas únicas responsabilidades eram o banho diário e a ida a escola. De resto, era só rua. Eu não entendia nada de preocupações e estava alheio à tudo.
Tivemos alguns problemas e mudanças nacionais como o Plano Collor, o Massacre do Carandiru, a morte de Ayrton Senna e a mudança da moeda brasileira. Nada disso chamava a minha atenção, tamanha a vontade de brincar e ser feliz. Eu era viciado em felicidade.
Não tive uma infância farta de comida e bens materiais, porém, nunca passei fome, apenas pequenas vontades, um momento ou outro onde ocorria o desejo de beber uma tubaína de tutti-frutti ou comer um pedaço de pudim da padaria do Seu Doca. Mas esses desejos eram abafados pelas brincadeiras que inventávamos, eu e um monte de amigos”.
23) Como foi o evento com Ariano Suassuna?
Sacolinha: Foi um momento histórico na cidade de Suzano. Ele também veio dentro do Trajetória Literária. Nesse projeto já levei o Marçal, Bonassi, Vaz, Marcelo Paiva, Luiz Mendes, Scliar, Loyola Brandão, Ferréz, entre outros. Mas o Ariano não falou apenas de sua Trajetória na literatura, ele deu uma verdadeira aula-espetáculo sobre cultura brasileira. E olha que o danado já tem 82 anos e não sai do Recife facilmente. Mas consegui tirá-lo de casa. Quem viu, saiu de lá com um curso completo de cultura nacional. Foi 1h40 de puro ensinamento, e risadas, cada frase era uma gargalhada da platéia. Todos aprenderam rindo. No final, ninguém mais queria ir embora. Tenho tudo gravado, quem quiser tô vendendo (risos).
24) Junto com o poeta e amigo Denivaldo Araújo, navega no Rio Tietê descendo da cidade de Mogi das Cruzes até Suzano numa canoa feita de madeirite e garrafas pet. Após essa experiência no rio, escreve o romance ecológico “O Homem que não mexia com a natureza”.
Sacolinha: O Denivaldo é baiano e cordelista, mora em Suzano há 20 anos e é um cara que não largou seus costumes. Certo dia fiquei sabendo que ele tinha feito uma canoa caseira pra pescar numa lagoa. Na hora fui na casa dele e falei; “Pó Denivaldo, cê faz essa loucura e nem me fala, fico sabendo por outras pessoas”. Aí ele disse que tinha a intenção de descer o Tietê e eu topei ir com ele. Na primeira vez navegamos apenas no trecho de Suzano, depois nós dois, junto com o poeta Cákis, descemos o Tietê de Mogi das Cruzes até Suzano. Tivemos que parar várias vezes, sair do rio, carregar a canoa nas costas e colocar no rio outra vez, porque em vários trechos ele morre com a sujeira e uns 50 metros depois continua a correr. Essa viagem contribuiu para eu finalizar esse romance ecológico que a princípio estava muito superficial. E serviu também pra eu ver o quanto existe de ambientalista demagogo.
25) Em Setembro de 2005 você sofreu ameaça de morte pedindo que retirasse os livros das ruas? Quem te ameaçou e por quê? Comente esse episódio.
Sacolinha: Foi por conta do livro Graduado em Marginalidade, lancei ele em agosto e um mês depois comecei a receber umas ligações estranhas. Fui muito corajoso em relatar esse romance. Pensei muito, antes de colocar a história no papel. A consciência estava me avisando e eu não quis ouvir. Sou muito curioso, por isso fui em frente. Trinta e dois dias se passaram... Livro lançado, eu dando várias palestras para divulgá-lo e eis que aparece o problema: Ameaças de morte.
Fui ameaçado diversas vezes, tanto que fiz um B.O, avisei alguns amigos e desapareci por duas semanas e meia. Os caras ligavam e avisavam: - Ô neguinho, num tá ouvindo não é? Vai morrer com os braços cortados pra não escrever nem no inferno.
Após algumas articulações descobrimos tudo e fomos eu e mais alguns conhecidos resolver esse problema. Sem tiros e nem palavrões, tudo com diálogo. O que houve foi um mal entendido.
Dei uma palestra em novembro do mesmo ano na Penitenciária Feminina do Tatuapé e deixei uns exemplares com algumas internas. A partir de dezembro começou a chegar um monte de cartas de vários presídios falando do meu livro. Elas leram, gostaram e começaram a discutir sobre a obra. Algumas enviaram para outros presídios e ficou esse tráfico do meu livro.
Fiquei analisando esses acontecimentos e acabei ficando feliz. O livro está mexendo com o sentimento das pessoas, e isso é bom. Acho que estou sabendo usar a palavra.
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Entrevista para o blog do grupo Samizdat publicado em 14 de dezembro de 2009 - Entrevistador: Carlos Barros
http://samizdat-pt.blogspot.
O fato de você ser um autor que surgiu na periferia foi um obstáculo ou um chamariz para sua carreira?
Sacolinha: Nem um e nem outro. O autor pode surgir de qualquer lugar, mas se ele não tiver uma boa escrita, persistência e articulação, ele não chega e nem se mantém em lugar nenhum. As editoras não estão nem aí de onde vem o escritor, elas querem saber se ele é conhecido e se o livro é vendável. Vejam o caso da Bruna Surfistinha e alguns Big Brohter’s. Lançaram seus livros que venderam horrores, mas depois do segundo título eles deram com os burros n’água, e não conseguiram se manter.
Talvez o fator geográfico tenha contribuído um pouco para minha carreira, já que ser morador da periferia hoje em dia é estar na moda, todo mundo quer ser, graças aos seriados, às novelas e filmes.
Qual é a importância da consciência política e social na sua escrita? A Literatura e a cultura em geral devem assumir este compromisso? Escrever é fazer diferença?
Sacolinha: Literatura abrange muita coisa, entre elas a geografia, filosofia, história e a ciência. Um livro como Grande Sertão: Veredas do Guimarães Rosa tem tudo isso e muito mais. Olhem o escritor português José Saramago, se ele não tivesse consciência política e social, seus livros não seriam conhecidos no mundo inteiro. Eu sempre achei que escritor tem que saber de tudo um pouco, inclusive ser engajado em algum movimento social como o Saramago por exemplo. Não dá pra ficar encerrado num gabinete e inventando histórias ou esperar a noite chegar para ver a lua e ter inspiração.
A literatura só não pode ser engajada demais, porque aí vira documentário, e o papel da literatura não é esse.
Em alguns textos seus ou a seu respeito – há uma entrevista genial que você deu a um jornalzinho estudantil! – você usa os termos “revolta” e “vingança”, em relação à sua literatura. Há alguns anos, não muitos, dizer abertamente, ou veladamente, traduzindo isso em metáforas, era motivo para os artistas “desaparecerem”, levarem porrada ou, na melhor das hipóteses, serem exilados do Brasil. Como você sente a liberdade de poder “se revoltar” e “se vingar” através da literatura?
Sacolinha: No meu caso essa revolta e essa vingança refere-se mais ao meu interior do que exterior. Quero me vingar dos atos e fatos do cotidiano, quero trancafiar ou acabar com meus demônios, me vingar dos pensamentos e desejos ruins. Tenho a literatura como uma válvula de escape, eu escrevo não por hobby ou status, mas porque preciso me extravasar.
A pergunta pode parecer capciosa, mas não é: se você fosse político e estivesse no poder (não como funcionário, mas tendo sido eleito), pelo que você lutaria?
Sacolinha: Por políticas públicas para a cultura para todos aqueles artistas formados pela vida. Quero dizer que têm muitos artistas (popular, clássico e erudito) que não sentaram na cadeira da universidade e desenvolvem um puta trabalho, seja na capoeira, no maracatu, no teatro na música, no cinema, literatura e nas artes plásticas.
Agora tem um monte de acadêmicos por aí metidos a artistas e sequer pisou no barro, sequer fez um trabalho fora do seu ambiente. Muitos até já têm seu padrinho desde pequeno e hoje fazem eventos com a nossa grana (Petrobras, Lei Rouanet, etc.) e ainda cobram ingresso.
Lutaria por essa inversão, contribuindo para que os artistas menos favorecidos tivessem acesso ás leis de incentivo à cultura. E com isso eu estaria lutando pelo direito á vida, porque acredito que o cidadão que tem acesso à cultura ou desenvolve alguma arte, ele enxerga melhor, não morre de fome, tem saúde e sabe resolver situações problemas.
Há um site que diz que seu romance “Graduado em Marginalidade” tem trezentas e onze personagens. Isso é exagero de notícia ou é fato? Você acha possível dar ao leitor tantas verdadeiras e identificáveis personagens, num romance com menos de duzentas páginas?
Sacolinha: É verdade, tem sim. Mas não pensem que todas elas são protagonistas em primeiro plano. Não sou marxista, mas gosto de dar voz aos que não tem voz. Se vocês forem ler o “85 Letras e um Disparo” verão que a maioria dos contos tem personagens inferiorizados pela sociedade que são muito mais do que ela imagina; é uma prostituta que lê Allan Poe, um mendigo que faz dissertações, um ladrão mais instruído que qualquer presidente, e assim vai.
Muitos de seus textos são escritos com linguagem próxima da fala do cotidiano. O trecho “Se eles não tivessem naquela esquina, aquele dia, aquela hora...” demonstra bem isso. Você acredita que o escritor deve se exprimir como o homem da rua para melhor se fazer entender?
Sacolinha: Nunca acreditei nisso, acredito que o escritor deve escrever sem maquiagens. Usar os seus conhecimentos e sua estrutura lingüística, somente isso. O escritor que fica procurando meios ou que escreve pensando na recepção do leitor, pra mim não vale nada.
Qual é o limite entre realidade e ficção em suas obras?
Sacolinha: Só escrevo realidade quando faço crônicas, de resto é tudo ficção, mesmo baseando-me na realidade.
O público brasileiro parece possuir um fascínio por filmes, seriados e livros que retratam a vida na periferia. Para você, a que se deve este fenômeno?
Sacolinha: Conforme já falei, a periferia está na moda há muito tempo. Antes era o Gil Gomes, Afanázio Jazadige, Ratinho e o demagogo do Datena que levavam a gente pra tela, mas de uma forma a mostrar somente o lado ruim. Agora são outras pessoas e outros meios e formas de mostrar a vida na periferia, mas ainda assim é de uma forma pejorativa. O que mudou é que descobriram que nesses lugares têm muita gente boa, em tudo. Por isso é que Cidade de Deus, Antônia, Tropa de Elite e outros foram protagonizados por gente que é da periferia, ao contrário disso, esses produtos não teriam feito tanto sucesso.
Discutíamos, na comunidade dos colaboradores da SAMIZDAT, que os escritores costumam escolher um tema, ou uns poucos temas, e debruçam-se neles por um bom tempo – e isso pode mesmo ser inconsciente. Há um tema comum no que você escreve?
Sacolinha: Não. O meu primeiro livro “Graduado em Marginalidade” é pura violência, já o segundo “85 Letras e um Disparo” é mais cômico e suave e versa sobre vários temas de nossa sociedade. Estou com mais dois livros prontos para serem lançados: “Peripécias de Minha Infância” é um romance infanto-juvenil que trabalha com a criatividade e “O homem que não mexia com a Natureza” é um livro que aborda a temática do meio ambiente. Tem um outro livro que vou começar a escrever que vai falar da questão política. Estou escrevendo um livro didático sobre leitura.
Escrevo conforme vai tocando a minha cabeça. Não me apego aos temas.
Existem discussões sobre letras de músicas serem ou não poesia. Por exemplo, letras do Chico Buarque, quando lidas, são verdadeiros poemas, mas ainda têm um fundamento – e certa interdependência – com o ritmo musical (Cálice é uma delas). E o rap, é um ritmo que tem uma letra, ou uma forma de poesia, acompanhada de um ritmo? Você que escreve ou escreveu rap, o que acha: é poesia, música, ou algo além?
Sacolinha: Sempre gostei de ler as músicas. Presto mais atenção na letra do que no ritmo, e pra mim, música sempre foi poesia, principalmente o rap que transforma coisas ruins em melodias, transformam o sangue e a violência em poesia. Sem contar que tem seu jeito próprio de cantar, sua forma de dizer “zói” ao invés de “olhos”, e falar coisas que só mesmo quem é do meio entende, quem não é, tem que levantar hipóteses e interpretar. Isso eu acho o máximo, porque fizeram dessa maneira com os pobres a mais de séculos, desde a missa rezada em latim nos tempos dos sermões do Padre Vieira, passando pela escravidão e chegando até os dias de hoje nos termos da linguagem técnica, onde um cidadão não consegue nem entender o artigo que está sendo condenado.
Num texto seu, Crônica de um jovem salvo pela literatura, há um trecho valioso: “Precisava fazer alguma coisa para me extravasar: eu partia para o lado da pólvora (crime) ou para o lado do açúcar (cultura). Optei pelo açúcar, que às vezes é um pouco amargo.” Entre essas amarguras, o que foi mais amargo depois dessa escolha?
Sacolinha: Ouvir milhares de “não”, desde as respostas das editoras até as respostas das pessoas que eu abordava nos bares e teatros de Pinheiros e Vila Madalena quando vendia livros nas ruas.
Eu pensava: optei pela cultura que é uma atividade legalmente correta, mas ninguém me dá estrutura. Me enforco de prestações para publicar um livro e quando saio para vender ninguém quer dar atenção, alguns até seguram suas bolsas.
Isso é amargura, você ter a idéia, colocar no papel sofregamente, diagramar, revisar, publicar com seu próprio dinheiro, divulgar e vender, ser o próprio editor e livreiro.
Alguns de nós adoraríamos ter uma coordenadoria de literatura dentro das secretarias de cultura de nossos municípios. Em seu blog, num comentário sobre sua agenda semanal, nota-se que você é muito ocupado e tem grandes responsabilidades como coordenador de literatura da cidade de Suzano. Como funciona uma coordenadoria desse tipo? Como é o seu trabalho?
Sacolinha: Minha função é mais externa do que interna, até porque numa sala a gente não produz nada. Então o negócio é estar na rua, sentir cheiro de gente e tomar sol na cabeça. Como Coordenador Literário tenho que desenvolver projetos de incentivo á leitura e de promoção aos escritores. Nada difícil pra quem gosta do que faz. Mas tem que pensar em tudo, inclusive na pré-produção, produção e pós produção.
Já publiquei 132 autores, trouxe escritores como Ariano Suassuna, Marcelo Rubens Paiva, Moacir Sclyar, Loyola Brandão, entre outros. Promovi 4 concursos literários, dezenas de oficinas e projetos para incentivar crianças, jovens e adultos a lerem. E falta de verba tem, a diferença é que eu corro atrás de tudo quando é empresa e vivo batendo na porta do Governo Federal atrás de grana para o desenvolvimento dos projetos. O que falta muito por aí, em Suzano tem de sobra: vontade política.
Há uma tendência (do mercado editorial, da História da Literatura, das universidades, dos críticos... não se sabe ao certo de quem...) de encarcerar os livros em gêneros. Por isso, às vezes, há coisas como Literatura Esotérica, Literatura Espírita, Literatura Erótica, Literatura Gay, como que direcionando o que é produzido para "nichos" de leitores. A segunda edição de seu livro “85 letras e um disparo” foi inclusa numa série chamada "Literatura Periférica". O que é essa literatura? Essa denominação vem de onde? De quem produz ou de quem publica?
Sacolinha: No caso da Literatura Periférica, esse foi um título dado pelos próprios autores, como uma forma de pertencimento, de geografia. Creio que direcionar a literatura por temas, não é algo de ruim, mas uma forma de identificar o tipo de literatura, como literatura estrangeira, indígena, auto-ajuda, etc.
Eu mesmo nunca aceitei rótulos, o que faço é somente literatura. Não sei quem está apto a tematizar o que eu escrevo.
O que é o Literatura no Brasil?
Sacolinha: A Associação Cultural Literatura no Brasil é uma entidade que fundei em dezembro de 2002 com dois objetivos: incentivar a leitura e divulgar os escritores independentes. Essa entidade tem hoje vários projetos, muitos até em parceria com prefeituras, Petrobras e a Fundação Itaú Social.
Não queríamos perguntar, mas não tem como fugir disso: de onde veio o nome "Sacolinha"?
Sacolinha: Essa é uma história longa, outro dia com mais calma eu explico.