Lágrimas de Noel
Dessa vez ele veio decidido, a máscara de bom velhinho ficou para trás. Não seria igual aos anos anteriores em que perdoava a todos e todas. Agora ele irá dar uma boneca preta para levantar a auto-estima daquela menina negra, e o conselho de gente idosa será para aquele policial que deu um tapa no rosto de um cidadão.
Grande decepção esse ano.
Ele assistiu de lá da sua terra, as injustiças políticas, os assassinatos de mendigos, o descaso com os anciões, os policiais se tornando cada vez mais violentos e corruptos...
Durante os dias desse ano, não deixou as renas assistirem a televisão, porque se elas vissem o que ele viu, com certeza não viriam. Seria melhor assim, até porque poucos eram os presentes que ele trouxe. Poucas serão as pessoas que irão ganhar os agrados. Muitas irão acordar e ver os seus sapatos vazios do jeito que deixaram na noite anterior. Terão em suas chaminés apenas o cheiro de brasa queimada e embaixo de suas árvores nada mais que o chão.
As renas vinham sorridentes e saltitantes. Depois que sentiram o cheiro pesado do lugar, desanimaram. Chegaram cabisbaixas e sem recepção. Seria melhor se ficassem em casa.
Ele caminhou durante horas num morro cheio de casas mal feitas e deixou um presentinho para cada gesto de humildade e solidariedade. Quando passou nos bairros de classe média torceu o nariz e prometeu lavar o rosto antes de entrar em sua casa, no Pólo Norte.
Não se ouviu a sua risada grossa e nem se sentia o calor do velho bonachão.
No centro da cidade fez uma oração para os que tiveram suas cabeças estouradas por mãos podres e sem sentimentos. Deixou um presente a cada morador de rua.
Muitos irão acordar surpresos no dia seguinte, mas a surpresa desse ano será para ele.
Depois de curtir caminhada por todos os lugares merecidos e ter entregado os poucos presentes, resolveu voltar.
Ao chegar ao local onde havia deixado suas renas, um espanto; tremenda covardia. Uma rena morta ao chão com a cabeça decepada, as outras, nem os rastros. Ao lado do corpo do animal um cartão com o telefone de uma funerária.
O velho colocou a cabeça da rena no saco, jogou o corpo nas costas e foi embora em direção ao Pólo Norte, com seu rosto cheio de olheiras, se desmanchando em lágrimas de decepção.
Sacolinha
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