segunda-feira, fevereiro 20, 2017

Resenha!


O amigo, leitor e escritor, Alba Atróz, fez um texto sobre a sua experiência com a leitura de "Brechó, Meia-noite e Fantasia".
Vale a pena a leitura.


LEITURA ANALÍTICA E SUGESTIVA DE “BRECHÓ, MEIA-NOITE E FANTASIA”, de Sacolinha.
(Constructo de Alba Atróz – 12 de fevereiro de 2017)

Olá! Como vai? Peço licença pra partilhar algo contigo. Acabei de ler mais uma forte presença literária de Sacolinha. Está bem patente no recém lançado “Brechó, Meia-Noite e Fantasia”. Obra nascida e criada em circunstâncias que tem tudo a ver com o respeitável engajamento cultural do autor. 
Isso mesmo! Escrita à luz de conversas e debates travados entre ele e participantes do seu famoso e vitorioso projeto intitulado “Comunidade do Conto”, inspirado, em partes, pelo mesmo ideário precursor do “Clube do Conto da Paraíba” que, em João Pessoa, deixou de discutir virtualmente para discutir pessoalmente, em encontros marcados, a grande arte de escrever tal incrível gênero textual, composto, sem citar mais características peculiares, por narrativas breves e concisas, a coletânea “Brechó, Meia-Noite e Fantasia” - nome doado por um pesadelo que a esposa de Sacolinha, a poeta Landy Freitas teve - simboliza, depois de um hiato de três anos sem lançar “nada”, entre aspas, é claro, a volta do autor dos já consagrados “Estação Terminal” e “Graduado em Marginalidade”, entre outros. Com 11 vertiginosas narrativas, dedicadas, em particular, à sua filhinha bebê, esta sucinta obra ressalta, em ritmo de causos, os traços da vida cotidiana na periferia, assim como, num momento autobiográfico, revela suas angústias quanto escritor-ser humano, sujeito às mesmas dificuldades, como qualquer outro, em cumprir metas tratadas, impostas ou sugeridas a ele. Seu bloqueio diante do “espelho temático”, por exemplo, que acaba revelando-lhe o esquecimento de si próprio em função dos outros, é um dos escritos reveladores. Assim como quando uma temática lhe instiga a seguir o exemplo de Zola e ir buscar, em outro espaço social que não frequenta, mas tem consciência que existe, as ideias necessárias para realizar sua tarefa de escrever. Sacola vai revelando então, num desabafo, suas frustrações, suas limitações e/ou decepções quanto escritor, quanto ser humano, e como se pode tirar proveito de tais situações e dar a volta por cima diante das dificuldades, ensinando que, de alguma maneira, tudo pode servir de experiências em prol do crescimento pessoal da gente. É na sensação de que o hoje não é tão inspirador assim, que o autor percebe o momento de romper e fugir do caos, dos gritos, da ganância, do desespero, da arrogância, do tumulto atual, de multidões desorganizadas, recorrendo à digressão aos bons e velhos tempos, até às peladas da infância que acabam sendo mais produtivas para ele do que a banalização e a falta de simplicidade oferecidas no momento contemporâneo. 
É importante ressaltar, antes que me esqueça, que o trabalho de capa, que sugere as costuras de uma vida desalinhada, de uma vida desgovernada, barateada e corrompida por uma máquina de um sistema corrupto, viu, atroz, hipócrita, que, sem novidades para quem tem senso crítico, mas revelador pra quem não tem, aliena e força as pessoas serem puxadas, tragadas pela prostituição e as drogas, pra terem seu sustento, pra tentarem existir de qualquer maneira, ficou por conta de Leonardo Mathias. E lindo é o prefácio ou introdução de Carrascoza o que já é muito revelador, sucinto e instigante à correr logo as páginas desta nova obra e, descobrir ainda, surpreendentemente, que antecedendo cada conto há as interpretativas ilustrações de Iberê Rodriguez, por sua vez, contribuindo significativamente, enriquecendo ainda mais o afresco, impactando assim o leitor que viaja em expressivas gravuras que recebe "catarticamente” à porta de cada narrativa de Sacola. 
Vale lembrar que a imaginação popular está forte no livro, assim como a dor de ser invisível, de se viver sob duras escolhas, de ter que se levantar das cinzas, de se reinventar para conseguir subsistir; toda a dificuldade de manter os sonhos acesos, na ausência de qualquer apoio, personagens que vivem sentimentos que implicam relacionamentos diversos, que resultam em problemas que poderiam ser evitados se os sujeitos fossem melhor amparados e respeitados, ajudados, por assim dizer. Sacolinha, e é do seu feitio fazer isso, toca em feridas, suscita a ironia e a forte reflexão em seus contos. Fala do apego a objetos que, embora tenham determinado valor, passam, exageradamente, a valer mais que o humano que, por sua vez, se vê trocado pela matéria, numa vida de acúmulo compulsivo. Relata um desejo infame que um pai sente por sua filha. O ente se pune, entende que precisa ser castrado antes que cometa a bobagem de dar corda ao incesto. E Sacola segue descrevendo de que forma as pessoas são acolhidas sem condições, se apertando, em lutas travadas contra si e contra os outros, para se realizarem, para se tornarem, sobretudo, serem. A descoberta do amor de um migrante poeta e uma linda suzanense que, em seus devaneios, transforma-se em uma lenda, é de uma sensibilidade incrível, fantástico. Sem falar do momento da redescoberta de um prazer de infância, aguçada por dois adultos que não se esquecem nunca desses bons momentos de tal período marcante e incentivam os que mataram dentro de si o áureo período, a ressuscitarem e deixarem de ser "adultos sepulcros". A questão polêmica que exige reflexão. A gravidez indesejada, as ambições, os projetos, os anseios que culminam na morte dos nascituros como solução para ser feliz dentro de um sistema que aliena e força-nos a aceitar suas condições impostas. A desmoronada prepotência, autoconfiança e autossuficiência de um pedreiro em seu arriscado ofício. O trauma de infância de uma personagem doente; a alienação, a reprodução da violência doméstica e a entrega aos justiceiros que lhe batem à porta para que, com um linchamento, ele, sempre incapaz de encarar de frente seus opressores, se liberte tragicamente dos seus medos de enfrentar os machucados que lhe pesavam desde cedo na vida. Além de tudo, na passarela do Samba que se traiu e se corrompeu, a superação da frustração, do ganho de auto estima, a certeza de uma sonhadora e traída “rainha de bateria" de que o mundo dá voltas e que podemos aprender com nossos erros e podemos ter uma nova chance pra dizer não a algo que antes diríamos sim, pois passamos a ter o poder de escolhas que antes não tínhamos, mas, com muita luta, conquistamos. E encerrando, a descoberta íntima de três amigos com nomes homônimos ao da nova obra, acusados e encurralados pela hipocrisia social, quando não por erros ingênuos, corrompidos por lobos capitalistas, até conseguirem descobrir, num triângulo de afeto, em seus estreito abrigo compartilhado, a fuga das aflições e da sensação de “despertencimento” de um imenso e maldoso mundo exterior.
Enfim, em últimas palavras, é claro que o que eu escrevi aqui é apenas minha experiência pessoal, minha interpretação de “Brechó, Meia-Noite e Fantasia”. Tenho certeza que a sua pode ser bem mais interessante, ampla e profunda, caro leitor. Te desafio. Abraços!