Pioneiro na leitura, crítica e análise da Literatura Periférica, Eleilson Leite fez um comentário-resenha do "Entre amar e morrer, eu escolho sofrer".
Existe amor na pandemia
Por Eleilson Leite
Sacolinha é reconhecidamente talentoso no gênero do conto e seu prestígio nas narrativas curtas, transcende o circuito da literatura periférica. A Editora Todavia percebeu a habilidade do escritor de Suzano e publicou o excelente “Entre amar e morrer, eu escolho sofrer” numa série de títulos lançados no contexto da pandemia da COVID 19.
Com trinta páginas, o conto é praticamente uma novela protagonizada por Malu e Bibiano, dois jovens moradores de uma das maiores favelas do país. Trajetórias distintas se encontram em meio às ações de solidariedade na comunidade. Na narrativa ficcional, o autor registra diversas iniciativas de atendimento aos mais vulneráveis como as que a Favela de Paraisópolis, de São Paulo empreendeu e que ficaram nacionalmente conhecidas, entre as quais, os coordenadores de rua e as unidades móveis de saúde. As acirradas disputas no polarizado cenário político nacional também estão presentes na obra, mas bem dosadas para não tirar o foco do enredo que se passa no chão do território periférico.
Malu toma frente da Associação de moradores dominada por dirigentes corruptos. Estrategista, sabia negociar com o traficante e com os pastores evangélicos. Bibiano ficava no apoio, seja ajudando os mais velhos no acesso ao auxílio emergencial, ou na distribuição de cestas básicas. A energia da coletividade entre os mais pobres aproxima os dois, ambos vivendo ainda o luto da perda dos pais para o coronavírus. Um conforta o outro e a relação cresce em meio a tragédia que assola a comunidade e o país. Nos contos de Sacolinha, porém, não cabem desfechos óbvios. No final o leitor vai entender o sentido do título do livro e suas três possibilidades de destino.
Sacolinha com seu conto nos salva da inércia e da apatia, mostrando que entre os mais pobres encontramos a possibilidade de superação de uma situação tão adversa e inusitada que tem sido a pandemia da COVID 19. Superação esta que não é individual, mas coletiva como são as lutas populares. Mostra que entre os mais humildes há mais potência do que carência, além de destacar o protagonismo de dois jovens negros, pautando raça, classe e gênero, numa narrativa politizada, mas não panfletária. Uma história verossímil, mas contada com uma elegância poética que provoca no leitor a sensação de esperança e encantamento.
Eleilson Leite é coordenador de cultura da ONG Ação Educativa e colunista de literatura periférica do Site Outras Palavras.