Um escritor falando de ARTE
A arte do medo
ou
O medo da arte
(Publicado originalmente na revista Catarse do grupo de Teatro da Neura)
Em minha infância sempre que ficava quietinho n’algum canto, minha avó estranhava e gritava lá do quarto:
- Ê menino, tá quieto, que cê tá aprontando aí, tá fazendo arte, né?
Então pra mim, sempre tive na cabeça que fazer arte é ficar em silêncio, e depois que virei escritor confirmei que minha avó estava certa.
O artista é um sofredor, guarde isso com você. Eu mesmo vivo adiando a hora de escrever, a não ser quando estou com algo quase explodindo na mente, um monte de idéias que se eu não colocar no papel o mais urgente possível, elas somem da cabeça e vão procurar um outro escritor mais esperto que eu.
Procuro adiar o momento de sentar em frente ao computador porque tenho medo do que possa surgir. Nunca sei o que meus dedos vão digitar, receio que em algum momento eles possam colocar pra fora todos os meus desejos, o que eu penso de verdade e as coisas que tenho vontade de fazer. Isso causaria um caos ainda maior em minha vida e ao meu redor. Na hora em que escrevo sempre escondo a verdade, não sei se isso é ser mentiroso ou covarde, sei que vivo enganando meus leitores. E sempre judiei desses leitores quando se fala em personagem. Entretanto, ainda tento criar um personagem diferente, um apenas, mas que esse “um” faça um grande estrago em quem conhecê-lo. Um personagem que arranque do leitor lágrimas de sangue, que acelere o seu coração, que perturbe os pensamentos, que faça guerra na paz, que faça um furacão por dentro e que traga tudo de ruim para o leitor, mas que ao fechar o livro, esse leitor seja e esteja uma pessoa melhor do que no início da leitura.
Ainda sonho com esse personagem, só quando eu conseguir criá-lo é que estarei em paz comigo mesmo. Eu acho.
Quando entrei no mundo da literatura, acreditei piamente que ela, como arte, havia salvado a minha vida, mas estou em dúvida o tempo todo.
A arte é vida e morte ao mesmo tempo. É você tentar se encontrar e se perder no mesmo lugar e nas mesmas circunstâncias.
Sempre carreguei comigo a idéia de que a arte é uma extensão de meu corpo e do meu pensamento. Sem ela talvez eu fosse um mero ser humano batendo cartão numa empresa de segunda a domingo, o dia inteiro, folgando uma vez por semana, jogando futebol, bebendo no bar da vila, pai de uns cinco ou sete filhos, brigando com a mulher e assistindo televisão, todo acomodado. Hoje sou o contrário disso tudo, porém confesso que às vezes seria melhor ser um assalariado acomodado e cheio de filhos.
Com a arte eu me descubro a cada dia e fico com medo de quem eu sou e do que sou capaz.
Sem a arte eu era muito mais sensível, mais ser humano e mais comum. Quando passei a ser e viver arte meu coração esfriou. Passo em frente a um mendigo caído ao chão e essa cena já não me comove.
Antes, eu nem ligava para os demônios que moram em minha mente, hoje já sofro com eles e tento exterminá-los a cada palavra escrita ou lida.
Depois que a arte passou a ser uma extensão de meu corpo, fiquei com mais medo da vida, das pessoas e de mim mesmo. Morro de medo de ficar sozinho ou de ser trancado em um quarto escuro, abafado e sem janelas e portas.
A arte me ensinou que as pessoas que sabem menos das coisas, sabem muito mais que eu.
Sacolinha, é autor do romance
Graduado em Marginalidade
(Edição do autor, 2005) e do livro
de contos 85 Letras e um Disparo
(Global editora, 2007)