segunda-feira, julho 16, 2007

Conto novo

Zé Moraes e a política pessoal
Então foi assim que tudo aconteceu. José Moraes tinha apenas 22 anos quando decidiu entrar na política e fazer diferente. Isso, porque odiava ver as besteiras que os partidários cometiam. Parecia que nada dava certo e o país não crescia. A idéia ocorreu quando estava numa lotação e ouviu a conversa de dois sujeitos sobre o novo escândalo na política. Um deles dissera: - O pior, é que vai ser sempre assim, entra um e sai outro e nada muda. Não chega um, pra fazer diferente. Fazer diferente. Essas palavras ficaram em sua cabeça: Fazer diferente, fazer diferente, fazer diferente, fazer diferente... E ficou pensando em algo novo. Um desafio em seu caminho. Pensou tanto, que quando caiu em si, já havia passado do ponto em que ia desembarcar. Quando desceu, viu que teria de andar uns 10 minutos para chegar ao local onde deveria saltar. Começou a caminhar resignado. Na verdade, aqueles 10 minutos de andança, não significavam nada perto do desafio que tinha pela frente. - Será? Perguntou pra si mesmo, espantando o transeunte que passava ao seu lado. E começou a aceitar aquela súbita idéia de ser o político diferente. Na casa da namorada, quase não abriu a boca, contrariando o jovem falador que sempre fora. Em resposta ás perguntas que lhe jogavam, só dizia: - Nada não. E passou todo o domingo assim, alheio ás conversas dos sogros e cunhados, alheio ao beijo da companheira e alheio ao filme que ela alugara. Na manhã do dia seguinte, José Moraes foi o primeiro aluno a chegar na universidade onde cursa jornalismo. Quando os portões abriram, ele correu em direção á sala de “Apoio ao Estudante” que era coordenada pelos próprios alunos e tinha o objetivo de adquirir benefícios aos mesmos. Ainda não havia ninguém, resolveu esperar, mas ficou nervoso quando tocou o sinal para o início da primeira aula. - Vagabundos. Como é que vamos mudar as coisas desse jeito? Cadê vocês para ir á luta? Correu até á livraria e verificou o preço do livro “O pensamento vivo de Che” que há muito ele via exposto na vitrina. Consultou a carteira; nada de dinheiro. Comprou no cartão mesmo. Na sala, mal prestava atenção na fala do professor. Lia trechos das idéias do revolucionário Ernesto Che Guevara e ficava a imaginar como poderia colocá-las em prática nos dias atuais. Dali pra frente ele só tinha um pensamento: Fazer diferente. Entrar na política, participar ativamente, discutir, debater, argumentar e até brigar, se possível, para defender a vontade da maioria, dos excluídos, dos sem tetos, sem terras, sem reforma agrária, dos sem saneamento básico, dos sem saúde, dos sem nada. Queria mesmo era trabalhar em prol dos mais humildes. E pra isso, estava disposto á tudo. Tanto, que se filiou no movimento estudantil e num partido de esquerda. Começou a se envolver em ocupações e em acampamentos de invasões. Não estava para brincadeira. Mudava a cada dia. Vanessa já não sentia mais os carinhos intensos que antes recebia do namorado. As conversas não eram mais sobre o casamento e nem dos futuros filhos do casal. José Moraes não era mais o mesmo. E diante das várias mancadas que ele deu, Vanessa resolveu terminar o relacionamento de seis anos. José achou melhor assim, não ia mesmo ter tempo para namorar. Dali pra frente, tinha que se dedicar ao máximo para atingir o seu objetivo. Fazer diferente. Em casa também não era mais o mesmo. Chegou a discutir diversas vezes com a irmã por ela estar assistindo novelas. - Poxa vida, desliga essa merda então cacete. Se fosse pelo menos o telejornal. Diante do comportamento de revolução e mudança, os amigos de infância começaram a se afastar dele. Não acompanhavam o seu raciocínio. E os novos amigos, militantes de movimentos políticos e sociais, apelidaram-no de Zé. É agora o Zé Moraes. E quem não conhecia Zé Moraes? O jovem que aparecia em várias reportagens de manifestação á favor do passe-livre para estudante, contra o aumento da passagem de ônibus, contra a privatização do metrô, contra tudo de ruim para o povo. Já peitou a polícia várias vezes, inclusive, têm duas marcas roxas no corpo, resultado de balas de borracha disparadas em meio a manifestações. E não teve jeito. Saiu de casa mesmo. As brigas agora eram com todos, os pais não entendiam o seu ideal. Sendo assim, juntou as roupas e livros, e foi dividir um apartamento com um companheiro no centro de São Paulo. Terminou o curso de jornalismo á trancos e barrancos, pois não estudava para as provas e havia deixado de participar do grupo de estudo. Era ano de eleição, mas cedo demais para se candidatar, apoiou ativamente dois candidatos do seu partido, um vereador e um prefeito. Foi em porta de escolas, passou de casa em casa, subia nos caminhões e fazia discurso bonito, cheio de indignação e verdades, participou de dezenas de reuniões, carregou bandeiras e entregou panfletos. Tudo em prol da mudança. No fim, o prefeito fora eleito, mas o vereador não atingiu os votos válidos. Zé Moraes ficou contente, no campo majoritário conseguiu eleger o homem. Foi convidado a assumir a Secretaria da Juventude, e isso não havia negociado em momento algum. Mas não deixou de aceitar, era mais um passo para o seu crescimento. Pediu demissão no seu antigo emprego e, no primeiro dia útil do mês assumiu a sua cadeira. Começou com cortes. Não por esse ou aquele pertencer á administração anterior, mas por saber que ninguém ali trabalhava, antes aquilo era um verdadeiro “cabide de empregos”. Filho de tal vereador que apoiou o projeto tal, mas pra isso pediu uma vaga para seu filho. Coisas da política. Mas com Zé Moraes isso iria mudar, afinal, ele veio pra fazer diferente. Devido às demissões, os primeiros dias foram turbulentos na secretaria. Passado esse pesadelo, ele começou a pensar apenas nos projetos. Dois anos se passaram e, no congresso estadual, o balanço do partido político, deu nota 10 para a atuação da secretaria de Zé Moraes. Foi a partir daí que ele começou a pensar seriamente em sair candidato á Deputado Estadual na próxima eleição. Pra isso, já contava com bastante aliados, tanto do partido quanto da sociedade civil organizada. Começou então a se articular, visando agora o objetivo final. Nas prévias do seu partido, a sua candidatura foi aceita quase com a maioria absoluta de votos. Era agora pré-candidato. Mais um degrau vencido, pois sabia que não era fácil, antes mesmo de ser aceito pelo povo, tinha que passar pelo crivo dos companheiros do partido, e ali a briga era feia. Cobra comendo cobra. Muita articulação e argumentos eram o que contavam. O próximo passo foi, no ano da eleição, pedir afastamento do cargo em que ocupava na prefeitura. Tarefa cumprida no mês de fevereiro. Aí, começou a angariar fundos para a sua campanha. Logo de início, comprometeu o dinheiro que havia em sua conta bancária, não ia depender de terceiros para isso, e sabia que grana em época de campanha eleitoral, é questão de negociação política. Ele estava convicto na sua escolha, desejava com todas as forças, assumir um cargo na Assembléia Legislativa e mostrar ao povo que tem alguém por eles. E para os deputados existentes, iria dar uma aula de política digna. Ia mesmo fazer acontecer. Acreditava nisso e, muitos viram que Zé Moraes era verdadeiro. Ia fazer diferente. No mês de junho é que liberaram a campanha eleitoral. A partir daquele ano estava proibido show micio, cartazes, outdoors, bonés e camisetas estampados com o nome de qualquer candidato. Mas, Zé Moraes, não perdeu muito com isso. Gostava do corpo á corpo, e tinha fé que assim iria vencer. Numa reunião do partido, dera risada quando ficou sabendo de alguns candidatos para aquela eleição; um músico que cantara forró a vida toda porque não sabia fazer outra coisa e, um homossexual de 70 anos, estilista e apresentador de programa de televisão desses que passam no período da tarde. Esses dois nunca, sequer, subiram numa plenária de câmara municipal. Outros candidatos também arrancaram risos de Zé Moraes; um ex-prefeito da cidade de São Paulo que fora acusado várias vezes de lavagem de dinheiro e chegou á ir preso. E dois outros que estiveram envolvidos no maior escândalo da história política do Brasil. Sem contar outras dezenas de candidatos de pequenos partidos que nunca vira e nem ouvira falar. Não tinham envolvimento político. Zé Moraes tinha, e cada dia de campanha, via que suas chances eram grandes. Véspera da eleição. Ele se esgotou. Foram quatro meses de andanças, conversas, passeatas, reuniões em bairros, cansaço, fome, discussão, conscientização popular, entrevistas, elaboração de plano de governo, composição de possível acessoria... e, finalmente chegara o dia. Estava feliz. Nada de promessas, compra de votos e cestas básicas. Tinha a plena consciência de que fez uma campanha limpa e honesta. Votou na parte da manhã, passou em algumas escolas para cumprimentar amigos e eleitores. Almoçou com companheiros partidários e de tarde foi para o diretório do partido, onde continuou toda a noite aguardando o resultado das eleições. Às onze da noite começou a aparecer os primeiros políticos eleitos da cidade de São Paulo. À uma da manhã um site na internet dera o resultado completo da eleição estadual. O nome de Zé Moraes não constava na lista de deputados eleitos. Aquilo foi mais que um choque. Não podia esperar, a hora era agora, nada de próxima eleição. Ele estava ali, vivo, com desejo mortal de fazer diferente. Mas algo dera errado e ele não fora escolhido para representar o povo. O que bateu mais forte ainda no seu coração, foi ver que todos aqueles candidatos medíocres e corruptos foram eleitos. Ouviu na TV a fala do deputado homossexual. O repórter perguntou qual era a primeira coisa que ele iria fazer como deputado. A resposta arrancou lágrimas dos olhos de Zé Moraes. - Não sei meu bem. Primeiro eu quero ser apresentado à minha sala, à minha mesa, quero conhecer os móveis que vão compor meu ambiente de trabalho. Não tenho projetos, não nasci lá dentro, vou ter de aprender tudo. E o repórter insistiu numa nova pergunta, ao qual o deputado respondeu: - Não tenho sensação nenhuma. Já sou uma vedete. Já tenho fama há muito tempo, pra mim, é só um emprego a mais. O mais bem votado fora o ex-prefeito da cidade, com maior número de acusações de desvio de dinheiro. Naquele momento, Zé Moraes pediu perdão á Deus pelo que ia falar: - Meu Deus, me perdoa, mas um povo que elege esses canalhas tem é que sofrer mesmo. No dia seguinte, em reunião com alguns partidários para discutir e analisar as eleições, ele ficou sabendo sobre muitos atos de corrupção dentro do próprio partido, o que diretamente prejudicou a sua eleição. Irritou-se, resolveu tirar satisfações e, se fosse verdade, levaria á público, porque ele era homem digno. Arrumou encrenca e se envolveu em briga física com ex-colegas de partido. Ameaçaram-no de morte. A partir do ocorrido, Zé Moraes ficou perplexo e perdeu as esperanças. Passou um dia inteiro dentro do apartamento, refletindo sobre a sua militância. Envolveu-se em diversos movimentos sociais, políticos e estudantis. Filiou-se num partido em que acreditava. Passou muita fome, necessidades e várias vezes ficou doente em congressos e bienais pelos estados do Brasil. Lembrou das viagens que fazia dentro de ônibus fechado e cheio de jovens fumando maconha. Ele passava mal, era o único careta da turma. Quantas vezes não fora criticado por isso. Largou família, namorada, amigos antigos, deixou de lado a profissão de jornalista, entregou panfletos de conscientização, andou de sol á sol. Enfim, viveu pela militância, pra fazer diferente, e no fim, acaba sendo traído, pelo povo e pelos companheiros. Conclui, que o país estava sem rumo, que tudo estava perdido e não tinha mais jeito. Então resolveu fazer uma política pessoal; se desfez de tudo e de todos. Juntou suas decepções e saiu mundo á fora. Zé Moraes começou a fumar maconha. Virou Hippie. Quem passa pelas praias pode vê-lo, com cabelo grande e barbudo, vendendo pulseiras e artigos confeccionados por ele mesmo.
Sacolinha!