segunda-feira, julho 16, 2007

Mais inédito ainda

Entre o sim e o não!
Passara a noite em claro. Não sabia se tinha feito a coisa certa. Há um mês seu cunhado tinha feito o pedido. Aquilo poderia mudar sua vida. Vinte por cento do dinheiro roubado seria dele, pra isso só precisava passar a rotina do banco e, na hora certa dar uma de vacilão, como não soubesse de nada. Pensou, pensou e pensou. Pensou demais. Havia ponto negativo? Sim, claro, se dar errado haverá ponto negativo pro resto da vida. Mas, dando certo, o ponto positivo será mais que positivo. Sairia daquele quartinho em que vive de favor há sete anos, com sua esposa e seus três filhos. Ela e as crianças dormem na cama e ele, mal dorme numa rede pendurada acima da sua família. Os móveis, quase todos ganhos ou comprados na loja de usados, mal cabem naquele cômodo com cheiro de mofo. Barata ali já faz parte da família. O menino mais novo nem se incomoda com elas, usa-as como brinquedo. Luciano têm muitos amigos e parentes que querem visitá-lo, mas, ele sempre adia o convite com uma frase típica do povo brasileiro: “Qualquer dia eu levo vocês para um almoço lá em casa”. Mas esse dia nunca chega. Agora poderia chegar. Se o assalto que ele concordou em ajudar der certo, aí vai convidar o pessoal para um churrasco na casa nova. Não sabe ao certo, mas o assalto pode render até duzentos mil reais, dos quais, quarenta mil virá para o seu bolso. Aceitou entrar no esquema. Trabalha numa agência do maior banco existente no país. Ali, é segurança há mais de três anos. Por isso conhece tudo e todos. Passou duas semanas seguidas preparando o croqui da rotina da agência. Era metódico no que fazia e fazia bem feito. Tanto, que quando a quadrilha de seu cunhado pegou as informações, ficou toda em polvorosa alegria. Aumentou de vinte para trinta por cento a parte de Luciano. Pois ali tinha tudo o que precisavam e mais um pouco. Até a hora exata de cada funcionário almoçar e os nomes dos clientes mais ricos daquela agência tinham nas folhas que Luciano passara para a quadrilha. Tudo estava acertado e sob controle. Mas ele não conseguira sequer cochilar esta noite que passou. Sentiu coisas estranhas, uma ansiedade seguida de frio na barriga. A orelha ficou quente o tempo todo. Parece que passou por alguns instantes de alucinação, ouvindo na madrugada gritos e cachorros latindo. O pior de tudo é que o silêncio após os latidos foi ensurdecedor. Não ouvia nada, nem mesmo a respiração da sua família amontoada naquela cama sustentada por blocos. O coração só acalmou lá pelas seis da manhã, quando sua esposa levantara. Ela trabalha numa pequena garagem com mais quatro amigas costurando roupas para uma senhora que atende encomendas de algumas marcas. Após se trocar e tomar um café sem pão, ela sai deixando as duas crianças mais velhas na escola do bairro. Luciano levanta e prepara o menino mais novo para levá-lo à pré-escola. Na porta da escolinha, ele respira fundo depois de deixar seu filho para mais um dia de recreação infantil. Promete para si mesmo que se tudo correr bem, fará da sua família as pessoas mais felizes do mundo. Antes de iniciar a caminhada de cinqüenta minutos que faz todos os dias para chegar ao trabalho, ele decide passar na porta de uma igreja e pede pra que tudo dê certo. O desespero era tanto que cada igreja que passava, renovava o pedido. Apesar de ser católico, não importava se a igreja era ou não do seu credo. Se passasse em frente a um terreiro também faria o pedido. O importante era que o assalto desse certo, não importava de onde viesse a ajuda. Dizia consigo mesmo que aquilo não era pecado, e que se fosse, Deus o perdoaria, pois todos esses anos em que fora funcionário daquele banco, nunca sequer ganhara uma promoção ou um elogio, eram só ordens daqui e dali. Todos, exceto a faxineira, davam ordens á ele. Até clientes que tinham uma conta recheada, ele teve de escoltar até o carro. E mal recebia um obrigado. Então, era mais do que justo aquilo em que estava metido. Não queria passar o resto da vida protegendo o dinheiro alheio e, ganhando uma mixaria pra isso. Ah, claro, ainda tinha a cesta básica e o vale transporte que ele vendia no terminal de ônibus para comprar a mistura da marmita. Trabalhava sem colete, sempre trabalhou. Seus superiores diziam que este instrumento não fazia parte do seu dia-a-dia, e que, num possível assalto tentasse impedi-lo de alguma maneira, mas que não reagisse. Todos esses pensamentos passavam na cabeça de Luciano enquanto ele caminhava rumo ao seu trabalho. E, quando passou em frente ao Presídio da Teotônio Cardoso, sentiu um frio na espinha que até doeu. Parou e fez um breve alongamento. Algo iria acontecer nesse assalto, ele só não sabia o quê. Chegou à agência e fez o de sempre. Tomou seu café com o segurança noturno, e após dispensá-lo, correu para a sala de filmagem e jogou água no sistema das câmeras que logo começou a falhar. Foi para o seu posto de trabalho, na porta, para controlar a entrada dos funcionários que às nove começavam a chegar, e entre esses, chegavam outros seguranças. Às dez da manhã, depois de todos os caixas estarem funcionando normalmente, a agência abria suas portas para mais um dia de atendimento. O gerente que naquele dia chegou mais cedo, chamara um dos seguranças na sala de filmagens para verificar o que tinha de errado com as câmeras que não funcionavam. Luciano tentava manter a calma, mas mesmo em meio ao ar condicionado, estava suando discretamente. Seus colegas de trabalho não perceberam. O assalto estava marcado para às onze. Pensou em ligar para seu cunhado e dizer que algo tinha dado errado e que cancelasse o assalto, mas reconheceu dois integrantes da quadrilha que já estavam na fila para entrar. Queria tomar um copo d’água, seu coração batia aceleradamente, num ritmo de “outudoounadaoutudonada”. Estava com a resposta no bolso da calça, um aparelho pequeno com um botão ao centro que podia travar ou destravar a porta. Quando o primeiro foi passar, a porta travou. Enquanto o assaltante abria a mochila numa interpretação, Luciano tinha as axilas pingando suor. Toda a sua situação econômica passou pela cabeça rapidamente. Vale a pena trocar o certo pelo duvidoso? O certo seria ele continuar naquela vida miserável com sua sogra olhando pra ele e vendo um mero inquilino que não paga aluguel, um impotente que só serve para fazer filho. O mais certo ainda, seria ele continuar dependendo de vereadores com suas promessas eleitoreiras e suas falas de “volta outro dia”. Ou de ficar participando de mutirões de casas próprias e nunca ser o sorteado. O duvidoso seria o assalto dar certo ou errado. Se desse certo ele iria comprar sua casa simples, de quatro cômodos, e dar uma vida melhor para os seus. Dando errado ele poderia ser descoberto e perder o emprego, ir preso ou até morrer. Vale a pena Luciano Mello da Silva? “Vale”. Disse ele consigo mesmo liberando a porta para o assaltante que já estava impaciente. A partir dele todos os clientes foram entrando sem problemas, inclusive os outros integrantes da quadrilha. A agência tinha dois andares e, enquanto dois assaltantes dominavam clientes e seguranças do andar de cima, um outro ficou na escada controlando a passagem. Na parte superior tudo ocorreu bem. O assalto estava dando certo e, não fosse o cunhado de Luciano, tudo passaria sem nenhum disparo. Na saída o desgraçado atirou no segurança que guardava a porta. Luciano caiu com um grito que ecoou por toda a agência. Clientes e funcionários que estavam na parte de baixo se apavoraram. O carro usado para a fuga da quadrilha se afastava do local em alta velocidade. Só quando estavam fora de serem perseguidos, é que comemoraram o sucesso da empreita. O chefe da quadrilha era elogiado pelo tiro certeiro que dera no braço de seu cunhado. Haviam acordado entre eles que um disparo em Luciano cortaria qualquer suspeita contra sua pessoa. Luciano passara dois dias no hospital. Lá ficara sabendo através de uma ligação o objetivo do disparo. Depois disso se acalmou, pois como não haviam combinado nada com ele, achara que o tiro fora para matá-lo e deixá-lo fora da partilha. Para ter os movimentos de volta no braço direito terá de fazer três meses de fisioterapia e tomar muito remédio. Mas isso não é nada perto do que conseguiu, pois além de ganhar seus trinta por cento, conseguiu sem muito esforço uma aposentadoria equivalente a três vezes o valor de seu salário, por conta do acidente ocorrido no ambiente de trabalho. Enquanto muitos migravam do Nordeste para São Paulo, ele resolveu fazer diferente. Comprou uma casa e mais um lote de terra em Ibirataia, interior da Bahia, e resolveu fugir da cidade paulistana. Agora trabalha em sua terra plantando e colhendo, levando as crianças para escola e cuidando bem de sua esposa. Agradece a Deus todos os dias e vive convidando seus amigos e parentes para comer em sua casa ou, quem sabe, passar umas férias por lá.
Sacolinha!